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domingo, 8 de maio de 2011

TRILHA SONORA no Festival Latino Americano de Teatro 'Ruínas Circulares'


Tivemos uma participação importante no II Seminário Nacional de Pesquisa em Teatro, que foi parte da programação do FESTIVAL LATINO AMERICANO DE TEATRO "RUÍNAS CIRCULARES" - 3ª Edição. Ocorrido em Uberlândia-MG na primeira semana de maio.

Com a comunicação da nossa diretora Leka Massensini defendemos o trabalho TRILHA SONORA: Uma encenação performativa, que foi mostrado com uma demonstração cênica na Mesa 4: O ator - poéticas vocais e a cena contemporânea, coordenada pela profª Dirce Helena Carvalho.

Este vídeo criado por mim na véspera foi apresentado durante os 20 minutos que tivemos para apresentar um pouco do nosso trabalho, seguido de apresentação de duas cenas do espetáculo pela nossa atriz Adriene Maycol.

Um abraço, e até logo.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O GROTESCO!!!


(foto by Leka Massensini...)

A idéia de grotesco é fundamental para a visão bakhtiniana do carnaval, e é o próprio autor que estabelece uma das mais respeitadas epistemologias do grotesco. O termo grotesco surgiu no final do século XV, quando escavações feitas nas Termas de Tito, em Roma, revelaram um tipo de pintura desconhecida na época: figuras humanas que se fundiam com formas vegetais e animais, criando seres híbridos, onde inexistiam as fronteiras entre os reinos naturais, e um forte inacabamento era condição de existência. Tais pinturas foram chamadas de grottesca (do italiano grotta: gruta). Então, o grotesco, ou melhor, o que Bakhtin chama de “realismo grotesco” (o sistema de imagens da cultura cômica popular) é marcado pela extinção das fronteiras, pela aproximação radical do que é tido como distante, através do rebaixamento: “isto é, a transferência ao plano material e corporal, o da terra e do corpo na sua indissolúvel unidade, de tudo que é elevado, espiritual, ideal e abstrato” (BAKHTIN, 1993, p. 17). O “alto” e o “baixo” possuem sentido topográfico: no alto está o céu, o espírito, a cabeça, o raciocínio; no baixo está a terra, o corpo, os órgãos genitais, o ventre e o traseiro, os instintos. No grotesco, o alto e o baixo são nivelados, ocupam o mesmo plano e perdem suas conotações positivas ou negativas (em última instância, tudo é investido de positividade, de potência, de vida), sendo constantemente invertidos e chacoalhados no frenesi carnavalesco. O exagero, o hiperbolismo, a profusão e o excesso são marcas estilísticas do grotesco.

O corpo carnavalesco é um corpo grotesco. Para Bakhtin, o corpo grotesco é um corpo essencialmente em movimento, aberto ao devir, suscetível, em constante metamorfose, e, por isso mesmo, sempre inacabado, incompleto, imperfeito. É um corpo em construção, em estado de criação, que absorve o mundo e é absorvido por ele (1993, p. 277), criado e criador, devorado e devorador. Um corpo ambivalente, duplo, “bicorporal”: carrega e manifesta em si potências de vida e potências de morte simultaneamente e com a mesma força. O corpo grotesco/carnavalesco ignora os próprios “limites” fisiológicos e se ultrapassa, é um corpo entre – não existem fronteiras entre dois ou mais corpos e entre o corpo e o mundo –, um corpo conectado, dissolvido, que não se restringe à sua individualidade e torna-se um corpo coletivo, cósmico, universal. O cânone moderno do corpo individual, único, como um ente isolado, fechado, acabado e delimitado, dotado de fronteiras semi-transponíveis começa a predominar, segundo Bakhtin (1993, p. 279-281), apenas a partir do século XVII.

Surge daí o interesse e a importância de partes e lugares do corpo por onde ele se ultrapassa, aberturas por onde se conecta (em via de mão-dupla) com os outros corpos e com o mundo: os órgãos genitais (com destaque para o falo), o nariz, o ventre, a boca, o ânus – regiões e orifícios que permitem o livre fluxo de vida e de morte. As excrescências também são valorizadas, pois são extensões do corpo, transmutações do corpo em elementos da natureza: fezes, urina, saliva, esperma, sangue, e demais humores contribuem para a diluição (e fecundação) do corpo no (e pelo) ambiente. Situações com forte acento escatológico como partos, coitos de toda espécie, comilanças, bebedeiras, mutilações, esquartejamentos e assassinatos são freqüentes, e explicitam a natureza ambivalente do corpo grotesco. É importante frisar que o corpo grotesco é um corpo coletivo, extenso e extensível, sempre renovado e, por isso mesmo, imortal e indestrutível.



Referência:
BAKHTIN, Mikhail. "A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais". São Paulo: HUCITEC; Brasília: Editora da UnB, 1993.

Grotesco...



Significado de Grotesco

adj. Que suscita o riso por sua extravagância: personagem grotesca.
Ridículo, excêntrico, cômico: figura grotesca.
Gênero grotesco, oposto ao sublime.
S.m. Indivíduo ridículo, caricato.

terça-feira, 3 de maio de 2011

O CORVO




(de Edgar Allan Poe/ trad. Fernando Pessoa)

"Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... nunca mais!"